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Itapira, 28 de Março de 2024 -
15/06/2021
Luiz Santos: Igreja desidratada

A palavra e o conceito de igreja estão bastante desgastados, esvaziados de seus sentidos mais sublimes, apequenados em seus significados mais profundos. Claro, grande parte da responsabilidade desse derretimento do que de fato significa ser e agir como igreja não pode simplesmente ser atribuída ao mundo, às forças culturais dominantes e nem mesmo a Satanás. Não obstante, evidentemente, todos esses também corroborem. Entretanto, são os próprios ‘cristãos’ os primeiros e maiores responsáveis por essa grave crise pela qual passamos. Em muitos contextos a igreja tem vendido o seu direito de primogenitura por um prato de lentilhas. Não falo apenas na busca desenfreada de identificação cultural para quem sabe, fazer-se relevante e parte integrante de alguma coisa, o medo de fossilização e de anacronismo. Falo também na ensandecida identificação com uma ideologia política em nome de valores que, mesmo sem lentes de aumento, são quebrados e solapados por aqueles que se dizem seus defensores. Esta proximidade é perigosa e seus efeitos colaterais nunca valem a pena as renúncias e os sacrifícios realizados. Grande parte deste mal instalado tem a ver com a nossa defeituosa compreensão da relação entre a igreja e o mundo. De alguma maneira estranha passamos a vida inteira em uma relação esquizofrênica com o mundo. Ora o demonizamos, ora queremos a sua aprovação. Ora queremos nos apartar com sentimentos e tendências anabatistas, fugindo para comunidades e guetos em um isolamento social, cultural e político, ora queremos ser reconhecidos como uma instituição relevante, que tem direitos e que deseja participar ativamente de tudo o que está acontecendo e que por vezes nos vemos ressentidos quando não nos convidam para a festa. Nos dois casos, o nosso sentimento é que somos e agimos como um corpo estranho orbitando o mundo e dependendo da “conjunção dos astros” não sabemos muito bem como nos comportar ou o que queremos. Aqui, a prestigiada tradução e versão das Sagradas Escrituras do Reverendo Eugene Peterson pode jogar alguma luz nesse nosso dilema: “toda essa força vem de Cristo. Deus o levantou da morte e o estabeleceu num trono, nos altos céus, no governo do Universo – tudo, das galáxias aos planetas, de forma que nenhum nome, nenhum poder está fora do alcance de sua soberania. E isso não é provisório: será para sempre. Ele está no comando de tudo e tem a palavra final a respeito de tudo. No centro de tudo, Cristo governa a igreja. A igreja não é periférica em relação ao mundo, o mundo é que é periférico em relação à igreja. A igreja é o corpo de Cristo. Por esse corpo ele fala, age e preenche tudo com a sua presença” (Ef 1. 20-23 A Mensagem). Essa compreensão da nossa identidade em Cristo deveria ser mais que suficiente para curar em nós essa idiossincrasia, essa esquizofrenia, esse complexo de inferioridade que temos muitas vezes nessa relação com o mundo, com a criação, com a história. Fomos plantados no coração do mundo com uma energia, uma força, uma autoridade e uma legitimidade que não precisam ser reconhecidos, aceitos, valorizados por quem quer que seja. A origem do que somos e do que fazemos tem a ver com aquele que nos governa e, a partir de nós, governa e sustenta o universo, Jesus. A nossa relação com o tempo e o mundo dos homens está visceralmente ligada com o Reinado de Cristo sobre o universo. Sendo assim, antes de buscar identificação com a cultura, é nosso dever buscar identificação com Cristo. Quanto mais de Cristo existir em nós, tanto mais capazes de auxiliar, redimir, transformar e resgatar a cultura seremos. Quanto mais da pessoa, da graça, da vida de Cristo estiver em nós, mais eficazes seremos em testemunhar diante de todos aquele estilo de vida que em Cristo, por Cristo e com Cristo, faz com que toda a realidade atinja o seu propósito sublime e original, estampar a realeza e a glória de Deus. Antes de dar apoio, servir de fiadora ou avalizadora de um projeto político ou de uma ideologia qualquer que seja, a igreja deve comprometer-se com o Reino e o seu Evangelho eterno. Nosso privilégio inegociável e irrenunciável não é e nunca foi defender plataformas, ainda que justas e verdadeiras. Nosso privilégio consiste em anunciar as Boas Novas de Jesus Cristo, trazer os homens para serem salvos por Ele, por Ele perdoados, reconciliados e transformados em novas criaturas. O Nosso privilégio consiste em que, uma vez cidadãos do Reino a nossa participação na cidade dos homens será efetiva, mas nunca incondicional. Será verdadeira, porém nunca plenamente identificada. Jamais permitiremos que ‘valores morais’ empalideçam a verdade, esvaziem a justiça, esfriem o amor e assim desidratem a igreja e a sua missão profética no mundo. Aqui, seria bom ouvir outra vez a palavra de Deus, na versão de Eugene Peterson: “Chega de ser criança. Não dá para tolerar gente ingênua, bebezinhos que são alvos fáceis de impostores. Deus quer que cresçamos, conheçamos toda a verdade e a proclamemos com amor – à semelhança de Cristo, em tudo...é por esta razão que insisto—e tenho o apoio de Deus – em que jamais sigam a multidão, a massa ignorante que não tem nada na cabeça. Eles tanto se recusam a se relacionar com Deus que perderam o contato não apenas com ele, mas com a própria realidade” (Ef 4. 14-19 A Mensagem).

Reverendo Luiz Fernando é Ministro da Palavra na Igreja Presbiteriana Central de Itapira



Fonte: Luiz Santos

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